Carlos Araújo, scj
O Papa Clemente XIII, a 6 de fevereiro de 1765, com um decreto dá autorização à Polónia para o culto ao Coração de Jesus. Em 1856, o Papa Pio IX estendeu oficialmente a festa do Coração de Jesus a toda a Igreja. Mais tarde, um dos documentos mais significativos sobre o Coração de Jesus seria a encíclica Annum Sanctum de Leão XIII (25.5.1899). Ainda no mesmo ano, a 21 de julho, o mesmo Papa aprovava as ladainhas em honra do Coração de Jesus e convidava às práticas das primeiras sextas-feiras do mês e dedicar o mês de junho ao Coração de Jesus. Em 1921, com o Papa Bento XV era aprovado o culto do Coração de Jesus com Missa e respetivos Ofícios próprios. O Papa Pio XI escreveria dois importantes documentos, Miserentissimus Redemptor (8.5.1926) sobre o dever universal da Reparação e Haurietis Aquas, tratado sobre a doutrina ao culto do Coração de Jesus.
No tratado Haurietis Aquas, podemos encontrar os fundamentos da devoção ao Coração de Jesus, tendo por finalidade dar a conhecer os suportes doutrinais e as suas dimensões. O documento apresenta-se com a seguinte estrutura: 1. Introdução; 2. Ponto I – Fundamentos e prefiguração do culto ao Sagrado Coração de Jesus no Antigo Testamento; Ponto II – Legitimidade do culto ao Santíssimo Coração de Jesus segundo a doutrina do Novo Testamento e da Tradição; Ponto III – Participação ativa e profunda que teve o Sagrado Coração de Jesus na missão salvadora do Redentor; Ponto IV – Nascimento e desenvolvimento progressivo do culto ao Sagrado Coração de Jesus; Ponto V – Exortação à prática mais pura e mais extensa do culto ao Sagrado Coração de Jesus.
A Igreja tem o culto ao Coração de Jesus, uma vez que “sendo o seu coração parte nobilíssima da natureza humana e estando unido à pessoa do Verbo de Deus, deve tributar-se o mesmo culto de adoração ao Filho de Deus” e para além disso “adorar o Coração de Jesus. Mais do que qualquer outro membro, o coração é o símbolo da imensa caridade para com o género humano”.
Celebramos recentemente 64 anos do tratado e 164 anos desde que começou a celebrar-se a Festa do Coração de Jesus para toda a Igreja. Muitos são os motivos para a nossa renovação interior e de agradecimento pelas graças recebidas.
São João Eudes (1601-1680) é o Santo que introduziu a espiritualidade da Escola Francesa no culto do Coração de Cristo. A fonte da sua espiritualidade é a oblação de amor. Na mesma senda, apresenta-se S. Margarida Maria Alacoque (1647-1690), no qual o culto do Coração de Cristo entra na piedade comum dos cristãos com a caraterística da oblação reparadora e da imolação, até então reservada a almas ou grupo privilegiados. A espiritualidade de S. Margarida Maria é profundamente eucarística. Jesus Cristo, por intermédio da Santa, pede uma série de práticas reparadoras. É importante frisar que a difusão desta espiritualidade em França tem raízes muito profundas e ramificadas.
Em muitas das nossas igrejas transparece alguns traços da espiritualidade do culto ao Coração de Jesus, que decorre da centralidade da Eucaristia, celebrada e adorada, e da vivência e celebração da reconciliação penitencial. Isto está bem patente, através de muitas imagens, vitrais e demais obras de arte. Muitas vezes, o peregrino é surpreendido por essas obras de arte, onde se contempla a figura de Cristo de braços abertos, que se dá e que acolhe quem se aproxima. É uma imagem que não se impõe, mas que docilmente se introduz no espaço, tal como acontece na vida de cada um. Cristo não se impõe, mas pacientemente e docilmente se apresenta e propõe, respeitando a liberdade de cada um, esperando uma resposta que deverá ser sempre de acolhimento e de confiança. Habitualmente, essa obra de arte não apresenta nenhuma inscrição bíblica, mas facilmente se percebe que o fundamento e a inspiração bíblica dessa obra é o famoso texto de Mt 11, 25-27, sobre a revelação aos humildes, um texto lido na solenidade litúrgica do Sagrado Coração de Jesus, sobretudo, o seguinte versículo: «Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, que Eu hei-de aliviar-vos» (Mt 11,28).
Como crentes e, por isso mesmo, peregrinos, os sacramentos da eucaristia e da reconciliação, são os grandes sinais do amor de Deus por nós, são os grandes instrumentos pelos quais Cristo nos chama à comunhão com Ele e a darmos frutos de paz e de reconciliação, no mundo.
Aos peregrinos que entram numa igreja é proposto um caminho espiritual, de descoberta de Deus, do seu amor misericordioso e a exigência em vivermos e testemunharmos esse amor, em gesto de entrega, de amor e de reconciliação. A reparação, assim é definido: «como acolhimento do Espírito (Cf. 1Tes 4,8), como resposta ao amor de Cristo por nós, comunhão no seu amor ao Pai e cooperação na sua obra redentora no coração do mundo».
Esta vocação e esta missão só será verdadeiramente possível para leigos e consagrados, se a atitude habitual e frequente for a de contemplar o Coração de Jesus, pelo qual somos fortalecidos na vocação e na missão de cada dia.