Irmã Carla Barbosa pm
Em 1830, Maria Rivier mandou confecionar pequenas cruzes de madeira, pintadas de verde, a cor de esperança. No dia de Todos os Santos reúne toda a casa, incluindo pensionistas e órfãs e distribui as cruzes, falando das “duas bandeiras”: dum lado Jesus, Maria e os Santos, do outro Satã e os seus partidários… “A quem quereis seguir?” Durante a distribuição das pequenas cruzes verdes, ela explica: “Pensei que a cruz deveria ser para todas um sinal de vitória. Com a cruz não tendes nada a temer: sois mais fortes que o inferno em peso. Se tivermos a felicidade de sermos chamadas ao martírio, caminharemos de cruz alçada em sinal de vitória”.
(Cf. As vossas Filhas Profetizarão, p. 219)
Será que este gesto simples, quase insignificante feito por Maria Rivier há mais de 200 anos faz algum sentido para nós hoje? Poderá a cruz ser realmente verde? Ao longo de toda a sua vida, Maria Rivier não cessou de nos falar da cruz, esse mistério insondável do amor de Jesus por nós, vivido até ao extremo. Não se cansou de nos convidar a amar a cruz, não como sentimento masoquista ou puramente dramático, mas porque ela mesma frequentou a escola da cruz. Intuiu e aprendeu que a cruz é instrumento, canal e ponte para a Vida verdadeira. A nossa fé assenta nesse mistério grande de morte e de vida do Senhor. O Cristo Ressuscitado é o Cristo Crucificado. Não é à toa que Ele, uma vez ressuscitado, conserva as marcas da sua Paixão. A cruz teve um “para quê”.
No tempo de Maria Rivier, não faltavam motivos para sucumbir à desesperança, ao pessimismo, mas ela, mulher sábia e embebida de Deus, encontrava sempre novas formas de mostrar que a cruz pode mesmo ser verde, pode mesmo abrir o nosso coração e os nossos olhos a um horizonte bem maior, por isso não tinha medo de dizer: Felizes seremos se seguirmos o caminho estreito da Cruz. Porque para ela a cruz não era o ponto final da história, mas apenas um pórticopor onde “o Espírito nos arrasta sempre mais para a frente nesta extraordinária aventura da fé, para a plenitude do amor” (Regra de Vida).
Neste tempo poder-nos-á assaltar uma quase desesperança face a tudo o que vivemos, o que vimos e ouvimos, o que as nossas mãos tocaram e o nosso coração sentiu. Num momento em que as questões da vida e da vulnerabilidade humana, do sentido que damos ou não damos às grandes e pequenas coisas, é urgente e necessário não perder de vista o essencial. Este essencial que Maria Rivier sabia bem soletrar o nome: JESUS. Para ela fazia todo o sentido ler a história e os acontecimentos de cada dia sob o seu olhar, para assim encontrar o verdadeiro sentido das coisas, para assim descobrir a esperança escondida no sofrimento, para assim trilhar o caminho estreito que conduz à luz, à Vida.
Importa aqui distinguir otimismo de esperança. Otimismo pode entender-se como essa tendência para ver o lado positivo das coisas e acreditar que tudo vai terminar bem. Já a esperança, e a esperança cristã, situa-se mais profundamente, na confiança de que para tudo Deus tem um sentido, que por mais atribulado que seja o caminho, pela perseverança na fé, Ele concede-nos a Vida Eterna, a plenitude do Amor. “A nossa esperança não é um conceito, não é um sentimento, não é um telemóvel, não é uma pilha de riquezas, a nossa esperança é uma Pessoa, viva e presente em cada ser humano” (Papa Francisco).
Quando a cruz é verde aquilo a que me dou e que enche as 24 horas do meu dia, toma um sabor de esperança e ainda que coabitem dentro de mim pensamentos, sentimentos, emoções contraditórios, haverá um ponto em que se encontram a noite e o dia. É então que a luz da aurora traz a promessa de algo novo, inédito e único. Só quando acolho a cruz, a minha cruz de cada dia, com esta atitude interior que trespassou a vida de Jesus e habitou a existência de Maria Rivier poderei escancarar as portas do meu coração e, sem medo, erguer a minha CRUZ VERDE.