Joaquim da Silva
Reflexão cristã de um intérprete
Ao longo dos últimos meses, os (novos) conceitos de “coronavírus/Covid-19”, “pandemia”, “confinamento” tornaram-se termos familiares a pessoas do mundo inteiro. Os efeitos destes novos termos são devastadores e não se circunscrevem a uma língua ou uma só nação ou continente, mas percorrem povos da Ásia à América Latina, dos Estados Unidos, da Rússia à África do Sul, enfim, a nível planetário.
Tempos incertos, convulsões sociais, o perigo da pobreza, da doença e da morte – isso é o que causa medo. Sentimo-nos paralisados e perdidos e poucas serão as exceções. Profissionalmente falando, também aqui as nossas vidas ficaram extremamente abaladas.
Enquanto intérprete de Conferências ao longo destes últimos 22 anos, nomeadamente para as Irmãs da Apresentação de Maria, habituei-me a viajar, a ir ao encontro das pessoas que se juntavam nesta ou naquela sala de reuniões e que necessitavam dos meus serviços linguísticos para se fazerem entender e poderem comunicar entre si. Repentinamente, esta realidade alterou-se: aviões pousados, hotéis e salas de conferências vazios e cabinas de interpretação fechadas. Todos confinados a uma nova “normalidade”. E assim também, aquilo que outrora era uma realidade altamente minoritária, gerou uma súbita transição, para o que se designa então de “teletrabalho”.
A presença física passou, portanto, a dar azo a uma nova presença cada vez mais digital. No meu caso, passei a interpretar nas minhas diversas línguas remotamente, sem o contacto humano, através de uma tela de computador, de um microfone e de uma plataforma que funciona como sala de conferência digital.
Ora se inicialmente se poderia pensar que isso iria contribuir para um afastamento humano – distanciamento social a quanto obrigas – rapidamente se verificou que o importante seria enfrentar o medo com esperança. A caridade ativa ganhou uma nova amplitude: oferecemo-nos para ir fazer as compras aos mais velhos do nosso bairro, ou partilhamos os nossos produtos alimentares com os nossos vizinhos; tomamos o tempo necessário para telefonar ou entrar no Skype e falar com as pessoas que estão mais solitárias.
E para nós, crentes do mundo inteiro, reconhecemos que esta pandemia trouxe um novo olhar – e até uma nova paz – sobre os nossos corações, bem como uma renovada caridade. Não é só o nosso trabalho que é agora feito à distância, mas também as nossas orações. E sempre com o intuito de nos aproximarmos cada vez mais! Afinal, “estamos todos no mesmo barco” e só juntos sairemos desta e das restantes pandemias e crises da humanidade, como sublinhou Francisco na sua “Oração pela Humanidade”, a propósito da pandemia de covid-19, perante uma praça de São Pedro vazia e diante de milhões que o escutavam pela net ou televisões.
Há comunidades inteiras de oração online. Fiquei a saber, por exemplo, que existe uma presença muito forte de uma comunidade alemã que se encontra diariamente no Twitter para rezar os chamados Twaudes (de “Twitter” e “Laudes”) às 7 da manhã. Quem me diria a mim, até há bem pouco tempo, que a minha oração poderia ser “tweetada” e chegar até tão longe?
Apercebo-me que chegou a hora de reorientar prioridades e modos de pensar e agir, para que, pegando nas palavras da bem-aventurada Maria Rivier, “sejamos um evangelho aberto, onde todos possam ler Jesus Cristo”. Ou ainda, como bem realça o Santo Padre, com esta pandemia a decorrer, é preciso “permitir novas formas de hospitalidade, de fraternidade e de solidariedade”. Afinal, confirma-se que ninguém se salva sozinho e hoje mais do que nunca. Ou ainda aquilo que sempre aprendi: que se quero andar rápido, caminho sozinho; mas se eu quiser ir longe, caminharei com os meus irmãos.