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SANTIFICAR O DIA

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P. Jorge Sena sj

Silêncio da vida de Nazaré. A Sagrada Família abraça um estilo de vida simples e escondido numa pacata aldeia da Galileia. Mais do que a atividade exterior, insignificante e sem projeção social, importa cuidar do crescimento interior, das relações mútuas, do apoio recíproco nos momentos difíceis da vida quotidiana.  A Família de Nazaré cuida da interioridade, que  o silêncio e o ambiente lento e  pacífico favorecem. Importância do silêncio, exterior e interior, um silêncio que  ajuda a escutar a voz de Deus e a compreender melhor as necessidades  de quem convive connosco na vida do dia a dia.

O silêncio favorece o encontro com Deus.  Afastando-nos da agitação que nos envolve, convida a encontrar-nos a nós mesmos e a descobrir a presença de Deus na nossa vida. Damos lugar à voz da consciência, tocamos em profundidade a nossa existência. Purificamos o  olhar sobre o sentido da vida, saboreando a mensagem das coisas simples e aparentemente insignificantes. O silêncio, a paz, a reflexão são janelas abertas para a ação de Deus em nós, tornam fecunda a  escuta atenta da voz do Senhor que nos interpela.

Riqueza da “normalidade” da vida quotidiana: “ a teologia da vida oculta de Nazaré está ainda por construir. Se algum dia se chegar a elaborar, não há dúvida que será a teologia da existência humana, santificadora e salvífica por estar fielmente consagrada ao Pai e à vida” (Karl Rahner).  Ao passar trinta anos numa vida caseira em Nazaré, Jesus vem dizer-nos que a vida é também aceitação da rotina, que a existência se enriquece com os gestos mais insignificantes e simples da vida quotidiana.

Atenção ao essencial: distraímo-nos facilmente com a satisfação do nosso ego, preocupando-nos com a imagem pessoal, com o sucesso daquilo que fazemos, num afã inseguro de quem pouco confia em Deus e se preocupa doentiamente com o dia de amanhã. “As aves do céu…”. Deus desafia-nos a estabelecer com Ele uma relação de confiança e, com a atitude profunda de quem se deixa conduzir, a cuidar dos grandes tesouros da vida: o aprofundamento da relação com Deus, o conhecimento e aceitação de si próprio, o reforço e enriquecimento das relações de amor e serviço do próximo. São estas as prioridades da vida, passa por aqui o verdadeiro sentido da existência.

Atitude construtiva: à semelhança de Maria e José, somos convidadas a abrir o nosso coração à voz de Deus, amando-nos na aceitação dos nossos limites, superando os medos, as crises e inseguranças por que passamos. Na intimidade do coração, procuramos aprofundar o encontro com Deus: “Deus sensível ao coração” (Pascal) dá-se a conhecer no mais profundo da vida de cada um, na interioridade de uma procura jamais terminada. Temos sede de Deus porque está presente na nossa vida e quer revelar-se: “A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo” A quem hei-de procurar? Somos convidados a praticar a “arte da vigilância interior” (Martini), a criar essa abertura atenta do coração que nos permite escutar a voz de Deus. Privilegiar o tempo de reflexão, a paz serena connosco e com os outros, a valorização dos momentos de contemplação. E no trabalho, nas rotinas do dia a dia, nos momentos de encontro e convívio, dar o sabor da alegria e do amor aos pequenos gestos que vão enriquecendo a vida quotidiana. E Deus vai-nos tocando como a brisa silenciosa do entardecer. Passa, anima, convida e oferece a paz e a consolação da sua presença.

Os sinais de Deus : ser companheiro de Jesus, na normalidade de uma vida simples e silenciosa seguindo o exemplo de Jesus, Maria e José, em Nazaré, exige de nós uma atenção cuidada à voz de Deus. Temos de abrir o coração e a mente para perceber os sinais de Deus, afinar a sensibilidade para reagir aos toques de Deus, na vida pessoal, comunitária ou apostólica. Uma palavra, uma reação, um sorriso, um grito de ajuda, um gesto de gratidão de alguém, que se cruza connosco, constituem palavras pronunciadas por Deus, sinais que nos aproximam e ajudam a chegar até Ele. No início de um novo ano, na semana da Vida Consagrada e com os desafios que tenho pela frente, tomo consciência de que Deus se deixou tocar pela existência humana e habita a minha vida.  Na minha pobreza, dou lugar a Deus. Sacralizo lugares e tempos da minha vida quotidiana.

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